Pressão de Eunice Paiva e familiares de desaparecidos políticos motivou Fernando Henrique a garantir reconhecimento da morte de inimigos da ditadura militar em 1995.
Em uma tentativa de reconstruir a história do Brasil, famílias de desaparecidos-políticos procuraram o governo federal em busca de esclarecimentos sobre o destino de seus entes queridos. A falta de informações e documentação oficial dificultou o processo de busca da verdade e da justiça pelos crimes cometidos durante a ditadura militar.
Mais de 30 anos após o fim da ditadura militar, o governo brasileiro ainda enfrenta críticas por não ter feito o suficiente para investigar e punir os responsáveis pelos desaparecidos-políticos e mortos-políticos. Muitos dos casos permanecem sem resolução, e as famílias dos desaparecidos e dos presos-desaparecidos continuam a lutar por justiça e esclarecimento. A falta de documentação oficial, como atestados de óbito, torna ainda mais difícil a busca pela verdade. Além disso, a negligência do Estado em investigar e punir os crimes cometidos durante a ditadura também contribui para a persistência da impunidade. Os foragidos-políticos e os foragidos também são uma parte importante da história da ditadura, e é essencial que suas histórias sejam contadas e sua justiça seja buscada.
Uma Batalha Decenal pela Verdade
A vida de Eunice Paiva, viúva do ex-deputado federal Rubens Paiva, esteve emaranhada na busca pela verdade sobre o paradeiro do marido, desaparecido em 1971 após ser levado para um interrogatório militar. Essa trama de desaparecidos políticos, mortos, desaparecidos e sumidos na ditadura militar, permaneceu sem respostas por décadas, refletindo um vínculo-comum de dor e busca pela justiça.
A luta de Eunice para encontrar respostas sobre o destino do marido e a busca pelo reconhecimento jurídico da morte dele são temas centrais do filme ‘Ainda Estou Aqui’, de Walter Salles, que já atraiu mais de 2,5 milhões de brasileiros às bilheterias. Uma das cenas mais marcantes do filme retrata a emoção de Eunice ao receber a certidão de óbito do marido em um cartório do Brás, no centro da capital paulista. Esse momento foi amplamente noticiado pela imprensa e ocorreu 25 anos após Rubens Paiva sair de casa para não mais voltar.
Eunice resumiu em uma frase o simbolismo da retirada do documento: ‘É uma sensação esquisita sentir-se aliviada com uma certidão de óbito’. Esse alívio foi compartilhado por outras 135 famílias em 4 de dezembro de 1995, quando o presidente Fernando Henrique Cardoso sancionou a Lei dos Desaparecidos Políticos, que reconheceu como mortas as pessoas que desapareceram na ditadura e eram ‘acusadas de participação em atividades políticas’. A lei foi elaborada pelo jurista José Gregori e previa a certificação de mortos políticos como tal.
Em agosto daquele ano, a viúva de Rubens Paiva fora convidada pelo presidente para participar da solenidade de envio do projeto ao Congresso. No local, abraçou Fernando Henrique e o chefe da Casa Militar, Alberto Cardoso, em um gesto de conciliação, mas nenhum comandante militar compareceu. O registro desse cumprimento com Alberto Cardoso foi visto como um gesto de conciliação, mas a falta de representação militar na solenidade foi sentida.
A lei previa a certificação de desaparecidos políticos como mortos pelo Estado, mas a informação não era registrada nos cartórios. A mudança ocorreu em 10 de dezembro, quando o Conselho Nacional de Justiça determinou que os documentos devem incluir que os falecimentos se deram por ‘morte não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro no contexto da perseguição sistemática à população identificada como dissidente política do regime ditatorial instaurado em 1964″. Os cartórios precisam emitir novas vias com o texto em até 30 dias.
A Lei de Mortos e Desaparecidos só se tornou realidade após pressão ao governo Fernando Henrique feita por Eunice e por Marcelo. No livro, o filho de Rubens Paiva relembra o momento em que Eunice foi ao cartório para receber o documento e posou sorrindo ao segurar o papel. Esse momento simbolizou a liberação de uma dor que durou décadas, mas o verdadeiro alívio veio com a certeza de que a verdade sobre o paradeiro do marido seria revelada.
Fonte: @ Estadão
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