O ‘Estadão’ mapeou cachês recebidos por magistrados para palestrar em eventos de entidades empresariais e órgãos públicos. Mercado é amplo, com entidades e empresas privadas sem transparência nos pagamentos. Tribunais afirmam que lei permite palestras.
BRASÍLIA – Juízes de instâncias superiores e magistrados federais têm promovido uma verdadeira fábrica de palestras, o que tem proporcionado ganhos financeiros adicionais para aqueles que já recebem os maiores salários no setor público do Brasil.
Essas palestras são apenas uma parte do circuito de eventos e conferências em que esses profissionais participam, ampliando sua atuação para além das salas de audiência. A diversificação de atividades, como apresentações e debates, tem se tornado uma prática comum entre os membros dos tribunais superiores e desembargadores federais, agregando valor às suas carreiras e contribuindo para o debate jurídico no país.
Palestras: Uma Fonte de Ganho Financeiro Extra
Participações em eventos promovidos por entidades empresariais, conselhos profissionais e até mesmo tribunais têm sido remuneradas, garantindo em alguns casos até R$ 50 mil por uma hora de palestra. Os pagamentos, por vezes, são feitos por meio de empresas criadas pelos magistrados, o que é proibido pela Constituição. A reportagem do Estadão mapeou os cachês recebidos por dez magistrados para palestrar em 17 eventos realizados por entidades empresariais e órgãos públicos, de junho de 2021 até agosto deste ano.
Palestras: Uma Oportunidade no Mercado de Eventos
O mercado de palestras para os juízes é maior, envolve entidades e empresas privadas, mas elas não têm obrigação de dar transparência aos pagamentos. As que o Estadão procurou preferiram não se manifestar oficialmente. Já os tribunais afirmaram que a lei permite as palestras. A estátua da Justiça, em frente ao Supremo Tribunal Federal: ministros do STF, do STJ e do TST recebem pagamentos por palestras em eventos de entidades empresariais, órgãos públicos e empresas privadas.
Palestras: Uma Atividade Empresarial para Magistrados
A Constituição proíbe aos magistrados exercer qualquer outra função além do ‘magistério’, ou seja, dar aulas, para evitar conflitos de interesses. A Lei Orgânica da Magistratura (Loman), entretanto, permite aos juízes, desembargadores e ministros manter atividades empresariais, desde que na condição de sócios cotistas e não administradores das empresas. Em 2016, sob a presidência do atual ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) promoveu mudanças que equipararam a realização de palestras à atividade de professor, abrindo a brecha para a escalada dessa atividade (veja mais abaixo).
Palestras: Desafios e Controvérsias na Cobrança de Cachês
Especialistas consultados pela reportagem veem vários problemas na cobrança de cachê pelos magistrados. O primeiro deles é o pagamento em si aos juízes, mesmo com a equiparação que os próprios magistrados fizeram para incluir palestras em atividades acadêmicas e os possíveis conflitos de interesse. Em segundo lugar, está a falta de transparência sobre os valores que os ministros ganham por esses serviços. Finalmente, é problemático o recebimento por meio de empresas das quais os ministros são sócios, o que é vedado pela Constituição.
A reportagem reuniu ao longo de três meses relatos de magistrados que confirmam a prática de cobrança de cachês e empresários que fizeram os pagamentos. Os comprovantes foram obtidos via Lei de Acesso à Informação e buscas em diários oficiais e portais de transparência. Os dados foram fornecidos por organizações e conselhos que pagaram as palestras e são obrigados a prestar algum tipo de esclarecimento público.
Palestras: Uma Indústria em Ascensão
As regras atuais do CNJ desobrigam os ministros de informar eventuais valores recebidos de empresas privadas. A revelação da indústria de palestra se soma a outros privilégios dos juízes, que usufruem de vários ‘penduricalhos’ em sua remuneração e são participantes frequentes de eventos, como o ‘Gilmarpalooza’, bancados por grupos empresariais com processos em andamento. O Fórum de Lisboa, realizado anualmente na capital de Portugal, é um dos eventos internacionais mais prestigiados pelos magistrados brasileiros.
Fonte: @ Estadão
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