Fixar limites de interpretação sem um entendimento seguro sobre a fiscalização aduaneira pode comprometer o curso de revisão e desembaraço, desacreditando o trabalho das novas turmas especializadas.
Nesta semana, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) irá votar 17 novas propostas para enunciados de súmula, que visam esclarecer e uniformizar a interpretação de normas fiscais. Dentre essas propostas, a de número 16 chama especial atenção, pois aborda um tema relevante para a fiscalização aduaneira e a possibilidade de revisão de operações já desembaraçadas.
A proposta em questão, que será votada pela 3ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), apresenta o seguinte enunciado: ‘O desembaraço aduaneiro não é instituto homologatório do lançamento e a realização do procedimento de ‘revisão aduaneira’, com fundamento no art. A regra estabelecida por essa súmula visa garantir a segurança jurídica e a vinculação dos órgãos fiscais às decisões tomadas no curso do despacho aduaneiro. Além disso, a proposta também busca esclarecer a relação entre a fiscalização e a possibilidade de posterior revisão aduaneira, evitando interpretações divergentes e garantindo a segurança jurídica para os contribuintes.
Revisão Aduaneira e Súmula: Uma Análise Crítica
A proposta de súmula que visa estabelecer a possibilidade de revisão aduaneira independentemente do canal de parametrização e quando da existência de fiscalização prévia durante o despacho é um tema controverso e complexo. A nosso ver, essa proposta é imprópria e encontra resistência em diversas searas: processuais, materiais e, até mesmo, institucionais.
A súmula, como regra vinculante, tem o objetivo de uniformizar a jurisprudência de um determinado tribunal, resultante de decisões reiteradas e consoantes em um determinado sentido. No entanto, a questão sob escrutínio não está pacificada nem no CARF, nem nos Tribunais Superiores, o que evidencia que estamos diante de um momento equivocado para tratar do assunto como a formalização de uma pacificação.
A aprovação dessa súmula comprometeria não apenas o necessário amadurecimento da matéria, mas também a segurança jurídica dos tutelados. Além disso, a jurisprudência recente da CSRF mostra que a prevalência do entendimento pela possibilidade de revisão aduaneira é tênue e nunca pautada em entendimento unânime.
Precedentes e Unanimidade
Nos quatro precedentes citados para justificar a proposta de súmula, verifica-se que, nos casos dos Acórdãos nº 9303-006.839 e 9303-013.346, a possibilidade de revisão aduaneira foi validada por 5 votos a 3. Já nos Acórdãos nº 9303-014.438 e 9303-014.439, chama a atenção não apenas o fato de os julgamentos terem ocorrido sequencialmente e na mesma data, mas também a falsa impressão de concordância plena que o resultado por unanimidade pode passar.
É que houve relevante ressalva de dois dos julgadores destacando que o entendimento se deu em razão do caso concreto, apesar de não ratificarem o critério de forma geral. A inexistência de unanimidade é sintomática e revela a incômoda realidade de um debate que ainda está vivo.
Desenvolvimento e Estudo
A eventual aprovação da súmula teria o condão de enterrar um importante assunto que ainda necessita de estudo e desenvolvimento. As decisões do Judiciário reforçam esse atual momento de debate e incipiência, vista a existência de precedentes recentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em sentidos diversos.
Em dezembro de 2021, ocorreu o julgamento do REsp nº 1.826.124/SC pela Primeira Turma do STJ. Nele, restou o entendimento, por unanimidade, sobre a possibilidade de revisão aduaneira independente do canal de parametrização. Não obstante, esta mesma Primeira Turma, em maio de 2023 e com composição praticamente idêntica, manifestou entendimento oposto.
Ainda que a matéria central do REsp nº 1.999.532/RJ fosse a prescrição intercorrente, nesta oportunidade concluiu-se que ‘o desembaraço registra a conclusão da conferência alfandegária e, por conseguinte, atesta o adimplemento das obrigações tributárias’. Essa decisão reforça a necessidade de um estudo mais aprofundado e desenvolvimento da matéria antes de se aprovar uma súmula que possa comprometer a segurança jurídica dos tutelados.
Fonte: @ Estadão
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