Poder e virtù moldam o destino no mercado de arte, onde romances policiais se entrelaçam com o dia-a-dia em circunstâncias inesperadas.
Woody Allen, o renomado diretor de cinema, pode ter se inspirado nas ideias de Maquiavel ao abordar a questão do poder em suas obras. Embora não haja certeza se ele leu os escritos do filósofo florentino, é provável que sim. Afinal, a reflexão sobre o poder é um tema recorrente em muitas de suas produções. Nesse contexto, o acaso desempenha um papel fundamental, pois pode influenciar o destino de personagens e histórias de maneira inesperada.
Maquiavel, por sua vez, trabalhava com duas categorias principais ao analisar o poder: a fortuna e a virtù. A fortuna, que pode ser entendida como a sorte ou o acaso, é um fator imprevisível que pode afetar o sucesso ou o fracasso de um líder. Já a virtù, que se refere à habilidade e à competência, é um atributo que pode ser desenvolvido e aprimorado. A combinação desses dois elementos é fundamental para o sucesso. No entanto, é importante lembrar que o acaso pode ser um fator decisivo, tornando a vida um jogo de azar. Nesse sentido, a sorte e o acaso podem ser considerados como elementos aleatórios que influenciam o destino de indivíduos e nações.
O Acaso e a Arte de Agir no Momento Certo
O acaso é um tema recorrente na obra de Woody Allen, e em seu 50º longa-metragem, ‘Um Golpe de Sorte em Paris’, ele explora essa ideia de forma magistral. A história gira em torno da vida de uma jovem casada, Lou de Laâge, que trabalha no mercado de arte e parece ter tudo sob controle. No entanto, seu destino é alterado quando ela se encontra por acaso com um ex-colega de escola, Niels Schneider, que confessa ter uma queda por ela. Essa chance inesperada desencadeia uma série de eventos que levam a uma viravolta macabra.
A sorte e o acaso são elementos fundamentais na trama, e Allen os explora de forma sutil, mostrando como as circunstâncias podem mudar o curso da vida de uma pessoa. A mãe da moça, Valérie Lemercier, é uma fã de romances policiais de Georges Simenon e começa a investigar o genro, adicionando um elemento de suspense à história.
A Influência de Dostoievski e a Questão do Crime
‘Um Golpe de Sorte em Paris’ se articula com outros filmes de Allen, como ‘Crimes e Pecados’ (1989) e ‘Match Point’ (2007), que também exploram a questão do crime e da culpa. A influência de Dostoievski é evidente, especialmente em ‘Crimes e Pecados’, que é considerado um dos trabalhos mais sombrios e brilhantes de Allen. A meditação sobre o crime, a culpa e o arrependimento é um tema recorrente em sua obra.
Nos três filmes, as circunstâncias oferecem uma ‘saída’ pela eliminação dos rivais, mas o que se segue faz a diferença em cada um deles. Em ‘Crimes e Pecados’, o esquecimento do remorso é o que prevalece; em ‘Match Point’, o acaso oculta a culpa; e em ‘Um Golpe de Sorte em Paris’, um deus ex-machina faz justiça de maneira aleatória.
A Destreza Cinematográfica de Allen
Allen tem uma destreza cinematográfica que permite que sua história pareça apenas uma comédia romântica com a pimenta do triângulo amoroso, ambientada numa Paris solar. A carga discreta de humor dispersa pela obra ajuda a esconder a discussão moral pesada que se esconde por trás da leveza dos personagens. A temática e os impasses colocados são universais, e a obra pode ser aplicada a qualquer grande cidade.
A fortuna e a virtù são elementos que também são explorados na trama, mostrando como as pessoas podem criar seu próprio destino no dia-a-dia e jogar com as cartas que a sorte lhes dá. O poder do acaso é um tema recorrente na obra de Allen, e em ‘Um Golpe de Sorte em Paris’, ele o explora de forma magistral.
Fonte: @ Estadão
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