Ana Paula Maia encerra trilogia apocalíptica com ‘Búfalos Selvagens’, um trabalho que mergulha nos abismos de um mundo colapsado, onde o silêncio do desaparecimento é um mistério maior e inexplicado.
A trilogia que aborda a morte de forma intensa e profunda é composta por três romances que exploram a essência da existência humana. O primeiro livro, Enterrem Seus Mortos, vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura em 2019, é um exemplo notável dessa abordagem.
Essa trilogia, que pode ser vista como uma reflexão sobre o fim da vida, também inclui os romances De Cada Quinhentos Uma Alma e Búfalos Selvagens, ambos publicados pela Companhia das Letras. A morte é um tema recorrente em toda a trilogia, e os autores não hesitam em explorar as consequências da perda e do luto, criando uma atmosfera sombria e reflexiva que leva o leitor a questionar o significado da vida e da morte. O apocalipse da existência humana é um tema que permeia a trilogia, deixando o leitor a se perguntar sobre o que resta após a morte.
O Fim do Mundo e a Morte
Em um mundo colapsado, Ana Paula Maia nos leva em uma jornada ao lado de Edgar Wilson, um personagem recorrente em sua ficção, especialista em realizar o ‘trabalho sujo dos outros’. Ele é responsável por recolher carcaças em rodovias, abater animais em matadouros e lidar com a sujeirada do mundo. Como é dito em ‘De Gados e Homens’, romance de 2013 que antecipa o esgarçamento observado na ‘trilogia do fim’: ‘Alguém precisa fazer o trabalho sujo. O trabalho sujo dos outros. Ninguém quer fazer esse tipo de coisa. Pra isso Deus coloca no mundo tipos como eu e você’.
Mesmo em um ambiente degradado, onde a escuridão ‘engoliu a Terra, levando-a para os abismos de um deus’, sempre há trabalho sujo a ser feito. Em ‘Búfalos Selvagens’, reencontramos Edgar Wilson circulando pela estrada, recolhendo corpos de animais e levando-os para serem triturados. A escritora Ana Paula Maia, autora de ‘Enterre seus mortos’, ‘De cada quinhentos uma alma’ e ‘Búfalos selvagens’, entre outros, nos apresenta um mundo onde a morte é uma constante.
O Apocalipse Parcial
A impressão é de que o fim do mundo veio e já passou, levando consigo nacos inteiros da realidade e dos personagens. O livro remete a acontecimentos da obra anterior, ‘De Cada Quinhentos uma Alma’, como a pandemia não identificada que varreu o mundo: ‘Antes havia o silêncio, o desaparecimento dos vermes necrófagos e a iminência do fim de todas as coisas. Mas esse fim recaiu sobre a Terra como raios diluídos’. O que ocorreu, portanto, foi uma espécie de apocalipse parcial, do tipo que — ilusoriamente ou não — permite algum recomeço àqueles que sobreviveram.
E é nesse espírito que Edgar Wilson aceita o convite para voltar a trabalhar em um matadouro, ocupação que já tivera em ‘De Gados e Homens’. Mas, agora, em vez de gado, lidará com búfalos, ciente de que todos ‘seguiam para a morte’, todos compartilham da ‘mesma angústia’, do ‘mesmo espectro das próprias trevas’. O cadáver de um palhaço na rodovia e o mistério que cerca a sua morte, a bizarrice das apresentações de um autoproclamado ‘Circo das Revelações’, no qual uma vidente oferece algum conforto à arraia-miúda, e uma confusão envolvendo a origem dos búfalos levados ao matadouro se misturam em uma narrativa no qual importam menos quaisquer peripécias e mais a rotina dos trabalhadores, por um lado, e as digressões, por outro.
A Morte e o Mistério
As intrigas comezinhas são resolvidas rapidamente, sem maiores pirotecnias, e o homicídio aponta para o mistério maior e inexplicado, relacionado à vidente. Mas, claro, não há descanso. No recomeço ensaiado em ‘Búfalos Selvagens’, quase tudo aponta para a morte: ‘Edgar Wilson precisa enterrar todos os mortos, ainda que aparentemente estejam vivos e andando sobre a terra. Ainda não é tempo de paz, ainda não é tempo de descansar’. É nesse sentido que o romance assume suas feições apocalípticas: todo fim enseja um recomeço, redentor ou não.
Fonte: @ Estadão
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