Escritor pernambucano usa palavras desérticas duras e incômodas para escrever sobre um pai e filho no interior do inferno, com aridez da terra e da alma, em um universo duro.
A escrita é uma ferramenta poderosa que permite aos escritores explorar mundos e emoções, como vemos na obra de Marcelino Freire. Palavras como dor, revolta e vingança são constantes em sua narrativa, revelando uma profundeza emocional única.
Com o lançamento do livro Escalavra, a escrita de Marcelino Freire entra em uma nova dimensão, reforçando sua habilidade em moldar o universo ficcional com palavras como ‘megalítico’. A escrita é fundamental para a literatura, pois permite que os autores criem mundos e personagens que engajam os leitores. É um processo que envolve criatividade, habilidades narrativas e, claro, talento, como podemos ver na obra de escritores como Marcelino Freire.
A Escrita como Despertar da Alma
Em sua obra magistral, Marcelino traz à tona o misto de fúria, solidão e esperança que permeia as entrañas de sua escrita. Ao desenhar a história de José de Arimateia Coriolano e Dagoberto, pai e filho, Marcelino realiza um retorno às suas origens, não um trabalho autoficcional, mas uma narrativa que se entrelaça com o universo de maneira engenhosa. É uma escrita megalítica, onde a voz do autor amadurece, moldada a partir de pequenas frestas que se abrem entre as palavras.
Nesta narrativa que se mistura de forma fascinante à literatura, Marcelino cria uma estrutura que se destaca, com a sonoridade constante do que está sendo dito e não dito. A leitura da Escrita pode causar inicialmente um certo estranhamento, mas o objetivo do autor é criar uma atmosfera em torno de dois personagens silenciosos, que observam muito mais do que falam, onde o trabalho e a força física são componentes principais da existência deles. Os sonhos são a ponte para o futuro, especialmente na biblioteca de um professor, onde o jovem descobre que a vida não é apenas aquilo que parece ser.
A Escrita é uma jornada sobre um pai e um filho que vivem no fim do mundo, em um interior do inferno. O pai é um pedreiro, trabalhador incansável que se junta a outros para sobreviver, enquanto o filho começa a perceber que a vida é maior e mais ampla. Eles vivem em uma casa dentro da usina extinta, em uma relação silenciosa e monossilábica, feita por códigos. Eles não têm tempo a perder, mas o que tempo é esse?
Marcelino Freire trabalha magistralmente com a questão do tempo-espaço, não apenas para contar uma história, mas para capturar a essência da alma humana com todas as suas inquietações, desilusões e contradições. A narrativa se move por frestas da memória e da solidão desses dois personagens, desenterrando fantasmas que não são facilmente revelados. É uma viagem pelos becos escuros da memória e da existência, um livro que nasce com crueza no deserto da alma e do esfacelamento do ser.
A Escrita é formada por pequenos afluentes que se desenvolvem na aridez da terra seca, no coração duro dos personagens e nas memórias dolorosas, onde viver é o maior mistério e a principal força do ser humano. A narrativa é moldada sob o signo da incompletude, com o simples desentendimento entre pai e filho causando rebuliço em algo que já era muito frágil na relação. É uma narrativa desértica que equilibra essas sensações de inquietação e desesperança, onde a escrita é o único caminho para explorar o universo da alma humana.
Fonte: @ Estadão
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