Rebelião quilombola no Vale do Paraíba inspirou ‘O Quilombo de Manuel Congo’, publicado em 1935 por Carlos Lacerda, que lutou contra o regime escravocrata.
A edição especial da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) este ano homenageia o talentoso escritor negro João do Rio, e como parte das comemorações, os visitantes têm a oportunidade de conhecer uma relíquia histórica: a reedição do primeiro livro de Carlos Lacerda (1914-1977), um dos políticos mais polêmicos e influentes da história do Brasil.
Carlos Lacerda foi um líder político e escritor que deixou marcas indeléveis na política brasileira. Seu primeiro livro, agora reeditado, é um testemunho da sua habilidade como escritor e pensador. Como um político, Lacerda foi conhecido por suas opiniões fortes e sua capacidade de inspirar paixões, tanto positivas quanto negativas. Sua obra literária, por outro lado, revela uma faceta mais introspectiva e reflexiva do líder político, que também foi um escritor talentoso e um líder visionário. A reedição desse livro é um presente para os amantes da literatura e da política.
Carlos Lacerda: Um Político, Escritor e Líder com Múltiplas Facetas
Para aqueles que só conhecem uma das facetas de Carlos Lacerda, a do líder da UDN, opositor ferrenho de Getúlio Vargas e apoiador do golpe que depôs João Goulart da Presidência em 1964, o livro ‘O Quilombo de Manuel Congo’ pode ser uma surpresa. Essa pequena novela de pouco mais de 50 páginas é uma denúncia sobre a exploração dos negros escravizados no Vale do Paraíba e a repressão comandada pelos grandes fazendeiros da região à rebelião liderada em 1838 por Manuel Congo, apelidado de ‘Zumbi Fluminense’.
Carlos Lacerda, político, escritor e líder, escreveu o livro aos 21 anos e o publicou em 1935 sob o pseudônimo de Marcos. Na época, ele era ateu, comunista e seguidor entusiasmado da Aliança Libertadora Nacional (ALN), frente de esquerda liderada por Luiz Carlos Prestes. Uma advertência foi introduzida por Lacerda no início de ‘O Quilombo de Manuel Congo’. ‘Não é bem verdade tudo o que está neste livro. Também não é bem mentira’.
Mentira, esclarece o autor, são as descrições detalhadas sobre a paisagem do Vale do Paraíba na primeira metade do século 19, então sede de uma pujante economia cafeeira lastreada no regime escravocrata. Verdade é a história da rebelião dos quilombolas, recontada por Lacerda, com base em pesquisas em documentos históricos em Vassouras, cidade do sul do estado do Rio de Janeiro, onde seu avô Sebastião de Lacerda, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), tinha uma chácara, e seu pai Maurício de Lacerda, um ex-deputado de ideias socialistas, era prefeito.
A Rebelião dos Quilombolas e a Repressão
A rebelião estourou na vila de Paty dos Alferes, próxima a Vassouras. Centenas de homens e mulheres, liderados por Manuel Congo e por Mariana Crioula, uma negra escravizada proclamada como a ‘rainha dos quilombolas’, se insurgiram contra os maus tratos aplicados pelos fazendeiros e seus feitores e se refugiaram em uma mata nos arredores. A repressão não tardou. A Guarda Nacional, milícia do Império comandada no Vale do Paraíba pelo coronel Francisco Peixoto de Lacerda Werneck, um dos grandes proprietários da região, foi à caça dos fugitivos.
O movimento dos quilombolas, porém, tomou tal vulto que foi preciso chamar a ajuda do Exército regular. Na repressão ao levante, destacou-se o então tenente-coronel Luís Alves de Lima, que depois ficaria conhecido como o Duque de Caxias e o patrono do Exército. Presos os quilombolas, Manuel Congo, ferreiro de profissão, foi condenado à morte e enforcado na praça central de Vassouras. Outros sete réus homens foram sentenciados a receber 650 chibatadas e ao uso da gargalheira, uma coleira de ferro, por três anos. Mariana Crioula e outras mulheres presas foram absolvidas por serem ‘fêmeas’.
O Legado de Carlos Lacerda
Carlos Lacerda foi o primeiro a registrar a saga do quilombo de Manuel Congo e Mariana Crioula, a quem chama no livro de ‘Maria Crioula’. Ele se interessou pela história ainda durante a infância, ao ouvir os relatos das violências sofridas pelos negros contados por Tia Claudina, uma antiga escravizada que trabalhava na chácara de seu avô. Essa obra é um testemunho da luta contra a escravidão e da importância da memória histórica. Além disso, é um exemplo da diversidade de interesses e talentos de Carlos Lacerda, um político, escritor e líder que deixou um legado duradouro na história do Brasil.
Fonte: @ Estadão
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