Morreu Antonio Cicero, autor ou coautor de cerca de 150 letras, aos 79 anos, compositor de canções em estilos diversos, com parcerias de alta patente com autores de canções de Sem Medo Nem Esperança, do poema de Os Inocentes do Leblon, e composições dos finais dos anos 70.
O poeta e letrista Antonio Cicero (1945-2024) conheceu o mundo do cancioneiro popular devido à ousadia da irmã, a cantora e compositora Marina Lima. Em meados dos anos 1970, ela pegou um dos poemas de Cicero e transformou-o em uma canção, que seria gravada por Maria Bethânia no disco Pássaro Proibido, de 1976. A irmã de Cicero, entretanto, não teve o consentimento para transformar o poema em canção, o que gerou um mal-estar entre os dois irmãos.
Após a morte de Cicero, a Academia Brasileira de Letras (ABL) homenageou sua memória. Como letrista e compositor, ele colaborou com outros artistas, como o jovem cantor e compositor Arthur Nogueira, na canção Sem Medo, Nem Esperança. Ele também foi um parceiro de colaboração constante com a filha, colaboradora e compositora Marina Lima, que o ajudou a criar algumas das suas músicas. Com uma carreira longa e produtiva, Cicero viveu muitas vidas e morreu em 2024. Sua música e suas palavras permanecem como um testamento de sua vida e obra. Em corpo e alma, ele estava ligado a sua arte e aos que o rodeavam. O poeta imortal da ABL, Antonio Cicero, viveu sem medo e sem esperança, e, apesar de tudo, deixou para trás uma herança rica e profunda.
Uma Parceria Especial: A Arte de Cicero e Marina Lima
A união entre Cicero e Marina Lima resultou em uma coleção impressionante de cerca de 150 composições, abrangendo estilos como pop, bossa nova e funk carioca, como o divertido ‘Só os Coxinhas’, lançado em 2018. No entanto, foi o poema ‘I Juca Pirama’, de Gonçalves Dias (1823-1864), que marcou o início da paixão de Cicero pelo mundo do poema, não apenas pela poesia, mas também pelos versos do romântico brasileiro, que ele acreditava serem extremamente musicais.
Ao mergulhar nas parcerias entre Cicero e Marina Lima, percebe-se o casamento entre poesia e música sendo realizado de forma exemplar, como na letra de ‘Charme do Mundo’, onde Cicero dá um ritmo especial, citando o poema ‘Os Inocentes do Leblon’ de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987). Ele era mestre em criar rimas pouco banais, mas que caíam no gosto do povo, como na famosa frase presente na canção ‘Fullgás’: ‘você me abre em seus braços/ E a gente faz um país’. Ele afirmou que só escrevia a letra depois de receber a melodia e conhecer a pessoa, como declarou em uma entrevista ao programa Metrópolis, da TV Cultura, ao lado do parceiro Arthur Nogueira.
Cicero se referia aos poemas, mas a frase pode ser aplicada às parcerias musicais, que são peculiares e adaptáveis à maneira de quem as canta. Isso pode ser percebido na canção ‘Trem Bala’, que ele e Wally Salomão fizeram para a melodia única de João Bosco, com versos como ‘Dispara um trem bala veloz feito luzes/ e integra a estação razão à intuição/ Por meio do teu nome ausente em mim reluzes/ Enquanto um garotinho empurra seu limão/ A blitz ali na frente diz que aqui a onda/ tá mais pro Haiti do que pro Havaí/ Se as coisas nos reduzem simplesmente a nada/ De nada, simplesmente temos que partir…’. Outra canção emblemática é ‘Maresia’, gravada inicialmente por Marina Lima, mas que estava predestinada para ser eternizada por Adriana Calcanhotto, com versos como ‘Ah, se eu fosse marinheiro/ Era eu quem tinha partido/ Mas meu coração ligeiro/ Não se teria partido…’.
Cicero era formado em Filosofia pela Universidade de Londres e estudou grego e latim na Universidade de Georgetown, nos Estados Unidos, o que lhe permitia ler os autores como Homero, Píndaro, Horácio (seu predileto) e Ovídio no original. Essa formação erudita nunca o afastou da inclinação popular, e ele era capaz de fazer associações dos mestres gregos com o canto falado dos pioneiros do rap. ‘Sabemos hoje que a primeira poesia conhecida do Ocidente, os poemas de Homero, eram recitativos. Nesse sentido, eles eram parentes do rap, que é uma espécie de recitativo’, declarou certa vez. Embora fosse um erudito, o poeta e imortal da Academia Brasileira de Letras nunca fez distinção entre poesia e letra, e suas parcerias musicais são testemunho disso.
Fonte: @ Estadão
Comentários sobre este artigo