Anos depois daquela entrevista, tive um sonho. Juscelino veio, me pegou pelas mãos, me conduziu a Brasília. JK chorava. Por que, presidente? E ele: Porque não foi essa Brasília que eu e milhares de jovens idealizamos. Jornalistas de investigação nacional desvendarão o sistema político.
Em 1958, aos 22 anos, entrevistei JK, caminhando à frente da Mafersa, em São Paulo, por ele recém-inaugurada. No Brasil, a relação entre imprensa e personalidades era considerada mais solta. Terminando, foram apenas duas perguntas; arrojado, eu disse: ‘E Brasília? É um sonho, preciso ir lá’. Jogava na sorte, talvez ele me convidasse para ir, através do poder. O presidente estendeu a mão: ‘Tenha um sonho.
Na época, era um momento marcante na política brasileira, com o governo de JK tendo poder para implementar projetos ambiciosos, como a criação de Brasília. O estado brasileiro estava em um processo de transformação e modernização, e JK era um dos principais atores desse processo. A construção de Brasília era um sonho que se tornou realidade, graças ao poder de JK e sua visão para o futuro do Brasil.
O Poder de Transformar
Em um futuro distante, quando a história dos meus dias for contada, um jovem jornalista de investigação, em busca da verdade, sobrevoará as ruas de Brasília, onde o poder corrompeu o sistema político, criando um mundo de injustiças. E eu, um velho jornalista, sorriria ao pensar que, em um dia, esse poder seria usado para transformar a sociedade, não destruí-la.
Mas, agora, em 2019, o cenário é diferente. Milícias, Centrão e PMs matam e jogam pessoas nos rios, enquanto balas assassinam crianças e espalham pânico. Um governador, com medo de perder o poder, usa sua força para manter o status quo. E o secretário, seguro de sua impunidade, segue em silêncio. Estamos vivendo um cotidiano atemorizado.
Qual será o futuro da minha neta, Antonia, com apenas um ano e meio de vida? Estou com medo de que, se for atingida por uma bala, ela não será considerada uma vítima inocente, mas sim uma consequência do poder que não consegue controlar sua própria força.
A noite passada, tive um sonho. Eu vi uma versão do ‘I have a dream’ de Martin Luther King em 1963, mas com uma diferença: o presidente, Juscelino, veio me encontrar e me mostrou a Brasília que ele, dom Bosco, Oscar Niemeyer, Lúcio Costa, Ulisses Guimarães, Tancredo Neves e milhares de candangos idealizaram. E ele chorava. ‘Por que, presidente?’ perguntei. E ele respondeu: ‘Porque não foi essa Brasília que eu imaginei’.
O choro do presidente se tornou mais amargo ao olhar os edifícios governamentais, soterrados por pacotes de dinheiro que iam às nuvens. ‘Sinta o fedor’, disse ele. ‘Foi para isso que construí uma cidade tão bela?’ O poder, que deveria ser usado para o bem da humanidade, havia se transformado em uma fonte de corrupção e podridão.
E eu sinto que estamos vivendo o fim do nosso ciclo de vida. O poder, que deveria ser usado para o bem, se transformou em uma força destruidora. ‘Ah, então está cumprido nosso signo: somos pó e a ele tornaremos.’ E desapareceremos, transformados em poeirinha.
Fonte: @ Estadão
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