Caetano Lagrasta, leitor voraz e cultor da filosofia, aborda a questão do tempo perdido, insumo insuscetível de ser multiplicado, subtraindo horas de nossa oportunidade de viver, com música atonal, medicina estatal, memória, acústica e ritmo no corpo.
A música é um universo sem fronteiras, onde cada nota pode nos levar a um novo destino. Ela é capaz de nos transportar para momentos esquecidos, revivendo memórias acústicas que nos fazem sentir vivos. A música é uma jornada pessoal, onde cada um pode se perder em seus próprios labirintos sonoros. Ela é uma forma de expressão que pode ser sentida em cada célula do corpo.
Quando nos entregamos à melodia, permitimos que a harmonia nos envolva, criando uma sinfonia de emoções que nos faz sentir vivos. A música é uma canção que nos conecta ao nosso passado, ao nosso presente e ao nosso futuro. Ela é capaz de nos curar, de nos fazer esquecer nossas dores e de nos dar força para seguir em frente. Ela é um dom que pode ser compartilhado com todos, um presente que pode ser dado e recebido com amor e gratidão.
A Música como Ferramenta de Expressão
Caetano Lagrasta é um polímata que combina sua devoção à Justiça e ao aprimoramento da ferramenta estatal de solucionar conflitos com uma sensibilidade artística singular. Seu livro mais recente, ‘Vesalius e Música. Ensaio para poemas atonais’, é um exemplo disso. A estratégia adotada na divisão dos capítulos é sedutora, começando com a abertura, seguida do primeiro movimento, um interlúdio estranho, segundo movimento – jazz, terceiro movimento – áfrica negra, quarto movimento, agro e gospelejo, e finalizando com coda e finale lacrimoso, ‘ma non tanto’.
A música é o fio condutor que une as diferentes partes do livro, que inclui uma breve narrativa da destruição das índias, uma segunda relação colonial – degredados, escravos e refugiados. Ao citar Igor Stravinsky, Caetano Lagrasta explicita seu propósito: ‘A música nos foi dada com o objetivo único de colocar ordem nas coisas, incluindo, particularmente, a coordenação entre o homem e o tempo’.
A Música como Expressão da Alma
Caetano Lagrasta narra suas duas frustrações: Medicina e Música. Ele não teve meios de cursar Medicina e, em relação à Música, além da pobreza, ele enfrentou a fraca agudeza de ‘ouvido’. No entanto, esses sonhos o acompanharam vida afora. O gatilho que ensejou essa obra foi vincular as impressionantes figuras dos livros de anatomia de Andreas Vesalius, ‘De Humani Corporis Fabrica’, ‘Epitome’ e ‘Tabula Sex’, aos rumos surreais da música.
O resultado foi uma instigante explosão de sensações e impressões, imagens fortes e ritmos alucinantes. Caetano Lagrasta recuperou, na memória, a música de sua infância e recolheu textos e percorreu a trajetória dos aparelhos de som. Ele coletou e adquiriu discos e livros, acrescentando elementos preciosos para a peregrinação que chega até sua alma.
A Música como Ferramenta de Conexão
Caetano Lagrasta reconstituiu sintética, porém significativa história da música, aprofundando-se em leitura que vai de Mikhail Bakhtin a Wolfgang Kayser, de Antônio Nóbrega a Cervantes, Shakespeare e Rabelais. Ele recorda-se de Mário de Andrade, Roland de Candé, François Ballard, David Graeber e David Wengrow, de Ailton Krenak e Davi Kopenawa a Alejo Carpentier, Eric J. Hobsbawn, a Darcy Ribeiro, Claude Lévi-Strauss e Roberto Machado.
A erudição de Caetano Lagrasta, leitor inveterado de todos os assuntos, cultor da filosofia e corajoso explorador de assuntos pioneiros, o encoraja a abordar a questão do tempo perdido. Tempo: o único insumo insuscetível de ser multiplicado por força da vontade humana. As horas que se esvaem são subtraídas ao total de nossa oportunidade de permanecer neste sofrido planeta.
A Música como Expressão da Memória
Caetano Lagrasta contempla a distinção entre memória voluntária e involuntária, esta ‘a memória afetiva, a memória dos sentimentos, inconsciente, que suspende a ação do hábito, uma irrupção repentina, súbita, do passado, uma deflagração imediata, deliciosa e total, que ressuscita o passado esquecido, despertando uma impressão passada’, na expressão de Roberto Machado. Ele invoca Ernesto Sabato para enfatizar ‘a forte injeção de sangue negro e indígena’, presente na formação do brasileiro.
Fonte: @ Estadão
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