Movimento carismático de Bolsonaro, baseado na tese de fraude eleitoral, não teria apoio popular sem o poder combatido de um golpe de Estado, a ser realizado por uma Junta-militar, com uma estrutura de crise e gabinete de crise.
Em um movimento contínuo de manipulação dos fatos e de deslegitimação das instituições, Jair Bolsonaro e sua defesa continuam a tentar desviar a atenção e a construir uma narrativa de conspiração em torno da suposta tentativa de golpe de Estado em 2022. Por meio de ações judiciais e de declarações públicas, o ex-presidente e seus partidários buscam criar uma ruptura institucional que possa justificar a sua conduta e a dos seus aliados em face das investigações em curso.
É fundamental lembrar que a investigação da tentativa de golpe de Estado é conduzida pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito, em um processo que busca esclarecer a verdade sobre os acontecimentos de 2022. A defesa de Jair Bolsonaro tenta criar uma narrativa de deslegitimação da institucionalidade, buscando diminuir a credibilidade do processo e dos investigadores. No entanto, é fundamental manter a fé nas instituições e no Estado de Direito, e reconhecer a importância dos esforços para que a verdade seja trazida à luz. A anistia solicitada por Jair Bolsonaro não pode ser vista como uma forma de impunidade, mas sim como uma tentativa de escapar das consequências de suas ações.
Evidências apontam para uma tentativa de golpe institucional
A advogada Paulo Cunha Bueno revelou que uma junta militar estaria no centro de uma estrutura de poder, criada no dia 16 de dezembro, conforme um plano encontrado no gabinete do general Mario Fernandes. Esse grupo seria beneficiado por um golpe, não pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Os integrantes dessa junta assumiriam o governo em lugar dele, segundo Bueno. Após ser indiciado por tentativa de golpe de Estado, Bolsonaro fez uma aparição pública em Brasília, na semana passada. Ele já vinha anunciando que estudava alternativas para não entregar o poder ao eleito Lula, mas tudo ‘dentro das quatro linhas’ da Constituição. Bolsonaro também afirmou que não tinha conhecimento de uma conspiração golpista. A soma das falas de Bolsonaro com as de seu advogado procura levar à conclusão de que o teor de qualquer conversa dele com os outros indiciados estava dentro da lei e que, se houve uma tentativa de golpe, ocorreu à sua revelia e ele não ganharia nada com isso. A versão de que os militares tramaram uma ruptura institucional pelas costas de Bolsonaro e pretendiam traí-lo em seguida, em um verdadeiro golpe dentro do golpe, não é crível por três motivos. Primeiro, porque não é isso que está escrito na planilha do general Fernandes, segundo a PF. O documento detalha a estrutura e as funções de um gabinete de crise a ser instalado no dia seguinte ao golpe. Entre as suas atribuições estava assessorar Bolsonaro, não substituí-lo, como comprova esse trecho: ‘Proporcionar ao Presidente da República maior consciência situacional das ações em curso a fim de apoiar o processo e tomada de decisão.’ O tal gabinete de crise — que vem sendo chamado de ‘junta militar’ porque seria chefiado pelos generais Augusto Heleno e Walter Braga Netto — teria também a tarefa de cooptar o apoio do Congresso, coordenar as ações de agências de inteligência e das Forças Armadas, aplicar medidas jurídicas e estabelecer um discurso único para dentro e para fora do país. Segundo, porque a tentativa de legitimação do plano golpista (o ‘discurso único’) se sustentava na ideia de que as eleições vencidas por Lula tinham sido fraudadas, uma narrativa que vinha sendo construída e incentivada por Bolsonaro desde o início do seu governo. Na visão dos golpistas, e isso fica claro nos documentos citados pela PF, o poder a ser combatido, deposto, era o do TSE e do STF, não o de Bolsonaro. Esse seria mantido no cargo até a realização de novas eleições. Terceiro, porque Bolsonaro é um líder personalista e carismático, figura indissociável do movimento que bloqueou estradas e se instalou nas portas dos quartéis pedindo intervenção militar após sua derrota nas urnas. Naquele momento, com o ‘mito’ instalado no Palácio do Planalto, seria inviável contar com o apoio popular do bolsonarismo sem Bolsonaro. Uma situação muito diferente de 1964, quando o deputado Ranieri Mazzilli assumiu interinamente a presidência após o golpe, mas quem passou a mandar de fato era uma junta militar. Em 2022, o poder estava nas mãos de uma tese de Bolsonaro, uma narrativa que vinha sendo construída e incentivada por ele mesmo. A movimentação dos militares pode ser vista como uma ruptura institucional, uma tentativa de golpe de Estado que ocorreu à revelia de Bolsonaro.
Fonte: @ Estadão
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